2013-02-05

© Omar Cleunam



O valor de uma coisa 
tem a ver com a sua utilidade? E se falássemos um pouco, entre nós, 
sobre a utilidade do inútil? E também da 
inutilidade de tanta coisa supostamente tão útil?
 Caminhamos para um deserto do mundo espiritual,
 sob o pretexto da acumulação de riquezas e da
 maximização do lucro a qualquer preço. Vivemos num
 tempo vergastado pela obsessão pelo dinheiro e pelo ter. 
É nos momentos de maior crise económica que urge falar da
 urgente sede do inútil, em todo o lado visível, quando por todo o
 lado nos fazem crer que viver é ser produtivo, competitivo e consumidor,
 além de contribuinte. Ionesco disse que "se não se compreende a utilidade
 do inútil, a inutilidade do útil, não se compreende a arte". E continua: a
 poesia, a necessidade de imaginar, de criar, é tão fundamental como a de respirar. 
Adentrar-se no "reino subtil" do inútil é saborear a utilidade da vida, da criação,
do amor, do desejo, de um beijo; é a arte, a literatura e a liberdade, é a compaixão, a solidariedade e a
 gratuitidade de tantos gestos, é a bondade e a beleza, é o que realmente preserva a memória
 da humanidade do humano. Podemos ter duas opções, segundo Italo Calvino. Uma consiste em
 aceitar fazer parte do (deste) inferno sem o querer sequer ver. A outra, mais arriscada, consiste em procurar, no meio do inferno, o que não é o inferno e fazer isso durar e dar-lhe um lugar. Porque não criar obras inúteis, redigir notícias inúteis, emitir telejornais que não sirvam para nada? Porque não debater publicamente assuntos inúteis? Se não conhecemos a importância do inútil, como poderemos saber o que é útil?Que tal falarmos sobre isto mesmo? | JA

2013-02-02

© Omar Cleunam



Marc Augé, em «Les nouvelles peurs», fala dos medos que crescem na Europa e no mundo. Medos que se agigantam, medos com os quais é difícil viver e saber viver, medos pesados, do futuro, do presente, do outro. Agiganta-se o medo dos outros, dos diferentes, dos iguais. O equilíbrio das sociedades humanas está ameaçado porque existe um mal-estar generalizado. Os governos transformam-se em "administradores do medo" [P. Virilio] e os governados em pessoas com medo, fechadas sobre si mesmas, isoladas, cada vez menos disponíveis para criar relação.
O espaço público atrofia-se. A imediatez substitui qualquer mediação, diz M. Augé. Comunica-se tudo e a todo o tempo, a comunicação torna o ambiente opressivo, irrespirável, mas o que se comunica na comunicação? O desastroso, os milhares de pontos de vista desconexos, a incapacidade de nos entendermos, o imediato. O tempo real substitui o espaço real, diz P. Virilio, e o simbólico foge do espaço social, um espaço de fragilidade, sem laços.
Os excluídos, esses que deitamos fora pela janela da casa e que crescem a toda a hora, um dia voltarão a entrar pela porta, para nos dizer com violência o que não quisemos ouvir em sussurro.
Neste tempo, o que é a política? Será que apenas nos podemos resignar e dar espaço aos cínicos? Será que não poderá haver mais espaço público para o encontro, para a geração de laço social, para além de uns "bouquets primavera" que governos, empresas, instituições e pessoas colocam na sua casa: uns belos "códigos de conduta", uns bonitos princípios de "responsabilidade social", uma muito airosa declinação da ética em tudo, em todos e a toda a hora?
Não será a "indignação" uma manifestação do medo que nos consome os dias e as horas e nos rouba o presente, tanto ou mais do que o futuro?
Os medos são agora explorados à exaustão pelos media e o real, os casos concretos e as pessoas concretas quase não existem, são irreais, uma ficção, fazem parte do "empilhamento arbitrário de casos concretos", que impregnam a realidade de "uma atmosfera realmente opressora". O real só regressa quando regressar a relação. Aqui e agora. | JA