2013-03-26

Rezem por mim!

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"Não te esqueças dos pobres!" E assim… nasceu Francisco, diz-nos Jorge Mario Bergoglio. Mas podia não ser. Aquela frase podia ter ficado retida numa curva da árvore do bem e do mal ou suspensa no dedo do Criador, pendurada na Capela Sistina, ou até ter ficado perdida num bairro dos arredores de Buenos Aires. Também poderia ter nascido Adriano ou Clemente, mas não... foi assim que S. Francisco regressou ao furacão do mundo, no século XXI, porque "quero uma Igreja de pobres e para os pobres". Há uma nova centralidade, na simplicidade, na humildade, no serviço: Jesus Cristo. Se não o confessamos, dizia o novo Papa, podemos ser padres e bispos e cardeais, mas seremos apenas uma "piedosa ONG", não a Igreja de Jesus Cristo. Sem a Sua cruz, o que é a nossa fé?
Já havia tempo que este rosto da esperança cristã andava às cabeçadas contra a casca do ovo, a ver se ela fendia; nós sabemos (os historiadores talvez o percebam com mais sensibilidade!) que as cascas acabam por partir, mesmo as grossas... mas não sabemos quando, às vezes demora um século ou até dois ou seis! E nós somos muito impacientes, tão curta é a nossa vida! Mas hoje, entre outras coisas, concluímos que todas as orações do mundo ecoam em Deus, num magnífico silêncio multicolor! De facto, nem um só cabelo da nossa cabeça está por contar e... como é fraca a nossa fé! Acreditar, acreditamos, mas lá vamos vivendo como se isso pouco contasse aos olhos e aos ouvidos de Deus, uma fé daquelas que "vai dando prós gastos", mas não move montanhas; que acredita demasiado na pessoa que acredita e pouco na pessoa de Jesus Cristo que acredita em nós. Valeu a pena ter esperado tantos anos, vai valer a pena continuar a esperar e a rezar e a ter fé e esperança.
Já tudo mudou e nada está ainda mudado!
Este novo Bispo de Roma, como gosta de se apresentar o Papa Francisco, tem Deus consigo, despertou uma boa parte do mundo para a Igreja e para uma outra forma de ver Cristo e os cristãos, isso é muito bom, reabre muitas portas. Este mundo em crise, a braços com uma profunda convulsão cultural, que está a deixar os seres humanos angustiados e sequiosos, e sem poço de Jacob à vista, precisa de sinais e de novos rumos. Mas, para já, isto é algo superficial e muito rápido, está inscrito na lógica dos media, pode ser mero consumo mediático, mesmo sendo de água fresca.
Temos de continuar a rezar, muito e com fé! Ele há uma poderosa estrutura de poder, uma Cúria e um IOR para vencer, ele há um ambiente cultural hostil à Igreja e muito bem organizado, que não poupará Franciscos como não poupou outros Papas quando eles tiverem de falar do aborto ou do relativismo moral, ele há muito marasmo, preguiça, indolência nas mentes dos próprios cristãos, ele há a gestão dos processos de mudança à escola global, ele há...
Porque é que o Papa Francisco termina todas as suas intervenções, pequenas ou longas, por pedir: "rezem por mim"? | Joaquim Azevedo

2013-03-24

Domingo de Ramos

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Eis que celebramos o Domingo de Ramos. Quantas vezes já lemos ou escutámos a narrativa da Paixão? Poderíamos reproduzi-la de memória, como quem conta uma história, sem comprometer a sua inteligibilidade. E ainda assim, se a lemos ou escutamos com o sentido de quem se deixa transformar pela Palavra, é como se a lêssemos ou escutássemos pela primeira vez.
Por estes dias, celebramos a Páscoa. Não a celebramos como quem está saudosamente amarrado ao passado, nem como quem recalca memórias… Celebramos a Páscoa como quem presentifica a salvação. Trata-se de um paradoxo que só a fé resolve: presentificar a salvação implica que já tenhamos sido salvos; mas, se não a presentificamos, não seremos salvos. E como não seremos salvos se já fomos salvos? Com efeito, dizer que já fomos salvos, implica aceitarmos que estamos em processo de salvação, ou seja: que a salvação é, em termos escatológicos, esse "já agora" e "ainda não", algo que nos foi dado, mas que não é um dado adquirido; algo que nos foi dado para que o fizéssemos, para que o presentificássemos. Por isso somos peregrinos, estamos a caminho…
Este processo de salvação implica que queiramos ser salvos. E eu… quero ser salvo? O que é que em mim carece de salvação? A minha vida reflete essa necessidade de redenção? Percebo esse processo de redenção pessoal como processo de conversão?
Enquanto eu não for profundamente honesto e consequente com estas questões que coloco a mim próprio, dificilmente a minha vida representará esse caminho de configuração com Cristo, esse processo de conversão permanente, essa consciência de que estou a ser salvo. Podemos continuar a celebrar aqui ou noutro sítio qualquer, durante dez ou vinte anos, com mais ou menos sinais exteriores… mas tudo não passará de uma mão cheia de nada.

No fundo, é isso que representa a entrada de Jesus em Jerusalém. A decisão de celebrar a Páscoa com os discípulos em Jerusalém implica uma decisão: Jesus decide "subir" a Jerusalém. E a decisão implica uma encruzilhada: Jesus situa-se numa encruzilhada, que é mais do que a interseção de dois caminhos. Encruzilhada é a situação de um Homem sobre dois caminhos que se cruzam. É na encruzilhada que o Homem – o Filho do Homem – se interroga, uma última vez, sobre qual o caminho a seguir; é na encruzilhada que aparece o "diabo", enquanto metáfora daquilo que nos divide, que nos desassossega… é na encruzilhada que nos ocorre que pode ser outro o caminho. Mas Jesus endurece o rosto e "sobe" a Jerusalém. Jesus é consequente. Não era preciso ser o Filho de Deus para perceber a armadilha, a conspiração… bastava ser minimamente inteligente: naquele contexto, entrar em Jerusalém representava um caminho sem retorno.
Mas Jesus não é um suicida nem faz a apologia do martírio. Jesus é, simplesmente, consequente. Talvez por isso tenhamos tantas dificuldades em compreendê-lo. Fazemos uma expressão piedosa enquanto escutamos a narrativa da Paixão, mas não o compreendemos. Cristo é desconcertante, na medida em que nos desconcerta a sua alegria e simplicidade, a sua coragem e desassombro. Habituamo-nos a olhar Jesus em termos redutoramente estereotipados e, assim, nem sequer é necessário qualquer esforço no sentido de compreendê-lo.
Quando Jesus entra em Jerusalém, está em processo de conversão… também ele. Em processo de conversão e em processo de redenção. Soa a heresia, mas é ele que trilha o caminho da conversão e da redenção… por isso parte para o deserto, por isso endurece o rosto antes de "subir" para Jerusalém, por isso opta por entrar montado num jumento, numa espécie de desconstrução do estereótipo da entrada triunfante do "messias esperado": não é só o jumento, é a turbamulta, a populaça, são os murmuradores do costume. E ainda assim, o que ali acontece é estranhamente bonito, autêntico… Jesus põe-se à prova, desafia-se… decide. E decidir implica ser livre. E ser livre implica poder ter recusado entrar em Jerusalém. E se não tivesse entrado em Jerusalém, como poderia ter entrado na minha vida? E eu, na minha fragilidade, como poderia perceber que a minha vida faz sentido à luz da sua decisão?
Talvez eu não tenha percebido a necessidade do processo de conversão. Talvez não tenha percebido a necessidade do processo de redenção. É mesmo possível que eu não tenha percebido, simplesmente, a necessidade de salvação. Mas ainda tenho uma oportunidade: a oportunidade de perceber que quando Jesus decide livremente entrar em Jerusalém, é na minha vida que ele decide entrar… Resta saber se eu serei capaz de acolhê-lo. | José Rui Teixeira

2013-03-07

III Encontro de Artistas . Porto